#10 oiiii você sabia que eu tô fazendo tcc?
como meus cadernos de desenho viraram uma pesquisa
meu tcc me consumiu durante esse ano como nenhum outro trabalho antes dele. imagino que seja um processo natural. afinal de contas, é uma pesquisa de um ano que você produz no fim da graduação e que precisa entregar para se formar. a diferença é que, no curso de artes visuais, existe a opção de fazer um tcc em poéticas visuais, ou seja, você produz uma obra e depois pesquisa sobre a sua própria obra. é meio maluco, é muito divertido, é o dobro de trabalho e foi a melhor escolha que eu já fiz.
agora que eu já entreguei tudo (o texto, a obra, a exposição) e estou só esperando a data da banca de defesa, pensei que seria um exercício legal tentar explicar o que é o meu trabalho, como foi produzir e quais os desdobramentos a partir daqui. além disso, também é um jeito de eu começar a resumir o que foi esse processo todo e organizar o que falar nos vinte minutos que posso apresentar a pesquisa para a banca.
onde começa o livro

mas vamos começar do começo. meu trabalho de conclusão de curso chama entre lugares: ateliê metafórico (o nome veio depois da newsletter, como sugestão do meu orientador) e é uma série de nove cadernos de desenho encadernados à mão, alguns com 21x30cm e outros com 12x15cm. dentro deles, tem desenhos, colagens, gravuras, papéis colados, listas de compras, panfletos, confissões, memórias e coleções. você pode ver o trabalho aqui.
para explicar o trabalho, eu preciso antes explicar os conceitos que guiaram ele.
livro: um suporte, composto por folhas dobradas, costuradas e protegidas por uma capa. esse conceito vem de livro, de michel melot.
livro de artista: livro em que o artista é o autor. a definição vem do livro a página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista, de paulo silveira.
documentos de trabalho: papéis, fotografias, objetos, lembranças pessoais que existem nos arredores de um trabalho de arte. vem do texto documentos de trabalho, de flávio gonçalves.
coleção de papéis: é como eu chamo a minha coleção de papéis significantes e insignificantes que eu tenho há anos.
tudo cabe no livro, menos o que não cabe
eu sempre gostei mais dos meus cadernos de desenho do que dos meus trabalhos finalizados. a ideia da pesquisa surgiu quando eu comecei a ver meus cadernos desde que eu comecei o curso de artes e percebi que, aos poucos, eles foram deixando de ser lugares imaculados e preciosos que apenas os rascunhos mais perfeitos poderiam existir, e começaram a virar uma mistura de anotações, desenhos e papéis colados que refletiam muito do meu dia a dia naquele momento. o caderno de desenho começou a ser um recorte do tempo e um lugar para guardar desde (obviamente) desenhos até reflexões sobre a vida e recibos do mercado. e então, surge uma ideia de projeto.
eu queria produzir algo que fosse, ao mesmo tempo, um registro do processo artístico por trás de um trabalho de arte e o próprio trabalho artístico. então, me propus a manter um caderno de desenho durante um ano, onde entrariam desenhos, pinturas, gravuras, testes de materiais, anotações, colagens, papéis, enfim, tudo que cabe dentro de um caderno de desenho. a ideia era operar em um espaço ambíguo entre objeto de estudo e trabalho de arte, produzir uma investigação sobre processos e poéticas que é, em si, uma manifestação da poética. e assim, quem sabe, entender algumas questões sobre a minha poética visual.
espero que esteja fazendo sentido até agora. aqui entra os conceitos que eu estabeleci antes de livro de artista, já que esse caderno de desenho se encaixa como trabalho artístico dentro dessa categoria, e documentos de trabalho, que são os papéis que eu acumulo sem motivo aparente (a minha coleção de papéis). e aqui que começa o livro.

sobre colecionar e um livro feito de coleções
sabe qual a parte mais legal de fazer tcc em artes? nada é tão sério quanto parece. boa parte dos meus cadernos é preenchido com desenhos, rascunhos, colagens, gravuras, papéis soltos e acumulados e tudo que eu julguei importante para o trabalho. todos os títulos de capítulo são trocadilhos bobinhos com a palavra livro. eu citei ana frango elétrico na introdução. o objeto de estudo não é nada sério, mas a pesquisa, de alguma forma, se tornou extremamente séria. eu, como uma grande fã de dualidades, achei muito legal produzir nessa contradição maluca.
por um lado, eu estava colando pacotinhos de sal em uma página (tenho pressão baixa) e me maravilhando com o som que eles faziam ao virar a página. por outro, eu estava lendo ensaios de walter benjamin e me enxergando na figura do colecionador que ele descreve em um texto de 1931. desde pequena, tenho uma coleção de cartões de visita que eu honestamente não consigo explicar o motivo da existência; alguma coisa no tamanho e na variedade deles me intriga. nunca consegui colecionar coisas valiosas, mas sempre tive pequenas coleções sem motivo aparente e só durante o processo desse tcc que fui perceber que sempre tive impulsos de colecionadora, só nunca havia levado a sério. também entendi que o hábito de acumular papéis, especificamente, é algo comum entre artistas com o texto documentos de trabalho, de flávio gonçalves. e nenhuma dessas coisas foi o que me fez escolher esse tema de pesquisa! foram só coisas que eu fui percebendo sobre mim ao longo do processo!

o que realmente me fez escolher esse tema de pesquisa foi o desenho. eu sempre gostei de desenhar, sempre tive cadernos de desenho. e quando entrei na faculdade, percebi que meus cadernos eram muito mais interessantes que meus trabalhos finalizados. e fiquei pensando e brincando: será que tem um jeito de eu entregar meu caderno como um trabalho final de alguma disciplina? bom, no fim tinha como. e meu caderno de desenho virou meu tcc. ou melhor, meu tcc virou meu caderno de desenho.
eu gosto que o desenho é uma linguagem muito imediatista: meia dúzia de riscos e você tem um trabalho finalizado, não tem resistência do material. e é algo que eu faço desde que me entendo por gente; no primeiro ano do curso, uma professora de desenho disse que todo mundo nasce desenhando, a diferença é que tem gente que começa e não para mais. o pensamento em pintura e desenho são completamente diferentes. escultura é outra história, gravura se aproxima de tudo mas ainda é diferente. e minha cabeça sempre funcionou muito bem para o desenho.
onde como termina o livro?
esse trabalho foi um grande retorno a tudo que eu amava na arte e fui esquecendo ao longo do curso. ao pesquisar meu processo artístico, eu fui revisitando coisas que nem lembrava mais, mas que eram profundamente importantes para mim. essa pesquisa serviu seu propósito de, bom, ser um pré-requisito para me formar (apesar que eu fico mais um ano na faculdade) mas também esclareceu questões internas minhas. meu objetivo acadêmico era um, mas meu objetivo pessoal era voltar a gostar de arte. e eu acho que consegui. é uma sensação parecida com voltar para casa depois de uma longa viagem.

vou levar hábitos desse tcc para sempre comigo. o caderno de desenho deixou de ser algo sagrado, que só pode ser preenchido com desenhos perfeitos. minha coleção de papéis agora tem um sentido e um lugar para ser guardada. e minha relação com arte mudou para melhor; mesmo que eu não trabalhe com isso, ela sempre vai permear minha vida. eu vivo entre lugares, mas entre lugares vive dentro de mim. ui, que brega.
apesar de estar muito reflexiva com o fim desse projeto, ainda não sei como eu me sinto sobre ser chamada de artista; isso é assunto para outra edição. mas sei que me sinto mais intrinsecamente artista: hoje, percebo que sempre tive impulsos comuns entre artistas, e meu pensamento é sempre permeado pela arte. acho bonito que eu nunca vou conseguir escapar desse meu lado, mesmo que há um tempo atrás me desvencilhar desse rótulo era tudo que eu queria. acho que a arte faz isso com a gente mesmo.

nossa, que loucura dizer que terminei o tcc. literalmente loucura, já que eu escrevi esse texto antes da banca, então tecnicamente eu realmente ainda não terminei. mas enfim. obrigada por ter lido!
notas & recomendações da semana:
⟶ comecei a ler o perigo de estar lúcida, da rosa monteiro e apesar de ter lido bem pouquinho, tô gostando bastante! não tenho o hábito de ler ensaios? não-ficção? ficção estrangeira? então tem sido uma experiência interessante
⟶ as playlists que eu mais ouvi fazendo o tcc foi essa da marina sena, e essa da ana frango elétrico. não faço ideia de como explicar essas escolhas. mas definitivamente ajudou a fluir a escrita
⟶ a retrospectiva do spotify foi claramente fraudada!!!! queremos recontagem!!!! eles provavelmente usaram ia e fizeram mal feito ainda, parece que só coletaram dados até metade do ano. dito isso, minhas artistas mais ouvidas foram charli xcx, chappel roan, sabrina carpenter, olivia rodrigo e ana frango elétrico. apenas divas esse ano!
Me identifiquei muito lendo esse texto, eu também sempre preferi meus trabalhos inacabados... o rascunho tem um charme muito especial. Amei seu trabalho, atrelado ao texto explicando o processo ficou melhor ainda! Se me permite, roubarei sua ideia de colecionar cartões de visita ;)
Marina eu AMEI o conceito do seu trabalho!! E tbm saber sobre a sua pesquisa; não tenho formação acadêmica em artes (mas faço bastante) então acho super legal quando vejo esse tipo de abordagem, acho que agrega muito 🥰 tbm adorei saber que colecionar papéis (termo bonito pra acumuladora kkkk) é coisa de artista, me sinto reconhecida hahahahah